Sustentabilidade na Habitação: morar bem é também escolher melhor
Você já teve aquela sensação de alívio ao entrar numa rua cheia de árvores, depois de caminhar sob o sol escaldante entre muros e prédios? Ou de como a respiração parece mais leve ao passar por uma pracinha arborizada, mesmo que pequena? Essa diferença não é só subjetiva. É o nosso corpo respondendo ao que a natureza oferece de melhor: conforto, frescor, e um tipo de bem-estar que nenhum ventilador ou ar-condicionado consegue imitar.
A verdade é que estamos nos distanciando da natureza de tal forma que, muitas vezes, esquecemos como ela é essencial. E mais do que isso: como esse afastamento impacta profundamente a nossa saúde física e emocional.
Quando o concreto sufoca: o impacto invisível das cidades secas
Hoje, mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), até 2050, esse número chegará a 68%. No Brasil, esse índice já ultrapassa os 85%, de acordo com o IBGE. Isso significa que estamos, cada vez mais, cercados por concreto, asfalto, trânsito, poluição… e menos verde.
Mas por que isso importa tanto?
Porque o verde não é só bonito: ele é funcional. Árvores e plantas atuam como filtros naturais do ar, captando poluentes e liberando oxigênio. Também ajudam a reduzir o calor nas cidades — o que não é pouca coisa. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) aponta que áreas verdes urbanas reduzem a temperatura em até 1°C durante o dia, enquanto telhados verdes podem diminuir em até 66% a necessidade de ar-condicionado em um edifício.
Além disso, há impacto direto na saúde. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) demonstrou que municípios com mais cobertura vegetal registram menos internações por doenças respiratórias. No Japão, um estudo revelou que pessoas que vivem perto de áreas verdes têm níveis 16% menores de cortisol, o hormônio do estresse. Viver sem áreas verdes é como viver sem válvulas de escape para o corpo — e a fatura vem em forma de estafa, doenças respiratórias, má qualidade do sono e uso crescente de medicamentos.
Mudanças de hábito: o desafio real da sustentabilidade
Mudar hábitos é uma jornada. E, sejamos honestos, nem sempre é fácil. A vida é corrida, os preços nem sempre ajudam, e às vezes parece que os problemas ambientais estão longe demais da nossa realidade. Mas a transformação não começa com revoluções. Ela começa com o simples gesto de fechar a torneira ao escovar os dentes, de recusar uma sacola plástica, de aproveitar um pote de vidro ou de usar menos o elevador.
É nesses detalhes que o mundo começa a mudar.
E não é papo de hippie ou ambientalista radical. São decisões que fazem diferença no seu dia a dia também. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) afirma que trocar lâmpadas comuns por LED pode reduzir até 80% do gasto com iluminação. O Instituto Akatu aponta que desligar equipamentos da tomada pode representar até 12% de economia na conta de luz mensal.
Sabe aquela velha desculpa de “só eu fazendo não adianta”? Pois é justamente esse pensamento que mantém as coisas como estão. Mas quando milhões fazem um pouco, o impacto é imenso.
Moradias que curam: repensar onde vivemos
Nosso lar deveria ser mais do que abrigo — deveria ser um aliado da nossa saúde. E isso passa, sim, por decisões de moradia mais conscientes.
A Escola Politécnica da USP, em estudos sobre gestão hídrica, mostrou que sistemas de captação de água da chuva podem reduzir em até 50% o consumo de água potável em residências. Em tempos de crise hídrica, isso não é só economia: é estratégia de sobrevivência urbana.
A energia solar, por sua vez, está cada vez mais acessível. Segundo a ABSOLAR, a energia solar residencial cresceu mais de 75% em capacidade instalada só em 2023, e o retorno do investimento ocorre, em média, em 5 a 7 anos.
Outros elementos sustentáveis incluem:
- Ventilação cruzada que reduz a necessidade de ar-condicionado;
- Orientação solar adequada, que aproveita melhor a iluminação natural;
- Telhados verdes, que reduzem o escoamento de água da chuva e o calor interno;
- Jardins e hortas urbanas, que fortalecem a conexão com o alimento e o ecossistema.
De acordo com o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), imóveis com essas características têm valorização superior à média do mercado — em média, até 20% a mais do que empreendimentos convencionais.
A cidade muda quando a gente muda
Quando você escolhe um imóvel mais sustentável, não está apenas tomando uma decisão individual. Está também pressionando o mercado por mudanças. E isso funciona.
Segundo o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), a demanda por construções com certificações ambientais cresceu mais de 30% nos últimos 5 anos. O selo LEED, por exemplo, hoje é referência no setor imobiliário brasileiro e já foi concedido a centenas de empreendimentos no país — e esse número só cresce.
Cada escolha consciente comunica ao setor da construção civil que eficiência energética, reaproveitamento de água e conforto térmico deixaram de ser diferenciais — são exigências. Incorporadoras, arquitetos e engenheiros atentos ao movimento já estão incluindo essas soluções como padrão, e não mais como opcional. Ou seja, cada decisão sua impacta o que será construído amanhã.
O futuro começa em casa
Seja um apartamento pequeno ou uma casa ampla, morar de forma sustentável é uma escolha que começa na consciência. É como plantar uma árvore: você cuida agora para colher sombra no futuro. E não só você — seus filhos, seus netos e toda a cidade também.
A verdade é que o “verde que nos falta” não está apenas nas ruas. Ele está também dentro da gente, esperando a hora de florescer em atitudes, escolhas e prioridades. Porque morar bem, hoje em dia, é muito mais do que conforto: é viver com respeito pelo planeta e pelas próximas gerações.
E quando olhamos para esse cenário, percebemos que sustentabilidade na habitação não é tendência — é necessidade. Uma necessidade que pode (e deve) ser assumida com criatividade, com planejamento, e principalmente com a consciência de que viver em harmonia com o meio é viver em harmonia consigo mesmo.
Não vai construir? Adapte!
Sustentabilidade também se adapta. Não é só para quem está levantando paredes do zero.
Se você mora num apartamento, dá para instalar jardins verticais na varanda, usar arejadores em torneiras, substituir lâmpadas, aproveitar a iluminação natural e até propor mudanças no condomínio, como coleta seletiva, telhado verde ou placas solares nas áreas comuns.
Condomínios podem instalar hortas comunitárias, implementar sistemas de compostagem, reaproveitar a água de lavagens externas e melhorar a eficiência energética com sensores de presença em áreas de circulação.
Em casas térreas, as possibilidades se ampliam: desde a instalação de cisternas, até sistemas de aquecimento solar, reuso de águas cinzas e construção de espaços verdes multifuncionais.
Viver bem é escolher melhor!
Viver de forma sustentável não exige perfeição — exige intenção. Toda atitude a favor da sustentabilidade, por menor que seja, conta!
Não existe um modelo único de casa sustentável. Existe o que você pode fazer dentro da sua realidade. E isso já é suficiente para começar. Porque cada pequena escolha se conecta a uma mudança maior. E, no fim das contas, a cidade inteira muda… quando a gente muda.
Referências bibliográficas:
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